segunda-feira, 29 de abril de 2013

Angola proíbe operação de igrejas evangélicas do Brasil

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO
27/04/2013


O governo de Angola baniu a maioria das igrejas evangélicas brasileiras do país.
Segundo o governo, elas praticam "propaganda enganosa" e "se aproveitam das fragilidades do povo angolano", além de não terem reconhecimento do Estado.



"O que mais existe aqui em Angola são igrejas de origem brasileira, e isso é um problema, elas brincam com as fragilidades do povo angolano e fazem propaganda enganosa", disse à Folha Rui Falcão, secretário do birô político do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e porta-voz do partido, que está no poder desde a independência de Angola, em 1975.
Cerca de 15% da população angolana é evangélica, fatia que tem crescido, segundo o governo.
Em 31 de dezembro do ano passado, morreram 16 pessoas por asfixia e esmagamento durante um culto da Igreja Universal do Reino de Deus em Luanda. O culto reuniu 150 mil pessoas, muito acima da lotação permitida no estádio da Cidadela.
O mote do culto era "O Dia do Fim", e a igreja conclamava os fiéis a dar "um fim a todos os problemas que estão na sua vida: doença, miséria, desemprego, feitiçaria, inveja, problemas na família, separação, dívidas."
O governo abriu uma investigação. Em fevereiro, a Universal e outras igrejas evangélicas brasileiras no país -- Mundial do Poder de Deus, Mundial Renovada e Igreja Evangélica Pentecostal Nova Jerusalém-- foram fechadas.
Editoria de Arte/Folhapress
No dia 31 de março deste ano, o governo levantou a interdição da Universal, única reconhecida pelo Estado.
Mas a igreja só pode funcionar com fiscalização dos ministérios do Interior, Cultura, Direitos Humanos e Procuradoria Geral da Justiça. As outras igrejas brasileiras continuam proibidas por "falta de reconhecimento oficial do Estado angolano". Antes, elas funcionavam com autorização provisória.
As igrejas aguardam um reconhecimento para voltar a funcionar, mas muitas podem não recebê-lo. "Essas igrejas não obterão reconhecimento do Estado, principalmente as que são dissidências, e vão continuar impedidas de funcionar no país", disse Falcão. "Elas são apenas um negócio."
Segundo Falcão, a força das igrejas evangélicas brasileiras em Angola desperta preocupação. "Elas ficam a enganar as pessoas, é um negócio, isto está mais do que óbvio, ficam a vender milagres."
Em relação à Universal, a principal preocupação é a segurança, disse Falcão.



sábado, 27 de abril de 2013

Após 23 anos, Estado de SP adota padrão mais rígido de qualidade do ar


Mudança. Novos valores foram estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2005; número de dias em que a poluição oferece risco à saúde deve aumentar, assim como as exigências para empresas. Especialistas cobram mais políticas públicas

25 de abril de 2013
CAIO DO VALLE - O Estado de S.Paulo
Com novo sistema, deve aumentar o número de dias em que a qualidade do ar em SP será inedequada - Clayton Souza/Estadão
Clayton Souza/Estadão
Com novo sistema, deve aumentar o número de dias em que a qualidade do ar em SP será inedequada
Os padrões de qualidade do ar ficaram mais rígidos em São Paulo. Um decreto publicado ontem pelo governo do Estado reduz os índices considerados adequados para oito tipos de poluentes atmosféricos, entre eles o monóxido de carbono, os materiais particulados e o ozônio. É a primeira mudança feita no padrão desde 1990.
Os valores adotados pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) foram estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2005. Antes, eram usados critérios do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). São Paulo foi o primeiro Estado do mundo a discutir a adoção dos novos padrões, em 2010. Para se ter uma ideia, o padrão é mais rígido do que o previsto para ser adotado pela União Europeia até 2015.
Com o novo sistema, deve aumentar o número de dias em que a qualidade do ar no Estado será considerada inadequada - em 2012, a poluição por ozônio bateu recorde na Região Metropolitana. Também serão ampliadas as exigências para empresas que buscam licenças ambientais. Para os dias mais poluídos, estão mantidas as várias restrições já possíveis, incluindo limitação de aulas de educação física, do tráfego de veículos de carga, da redução da atividade industrial e da ampliação do rodízio de veículos.
A norma estabelece três níveis de gravidade: atenção, alerta e emergência. Cada patamar tem de estar associado a condições desfavoráveis à dispersão dos poluentes nas últimas 24 horas. A Cetesb declara o estado de atenção; o secretário do Meio Ambiente, o de alerta; o governador, o de emergência.
A expectativa agora é de que o poder público também comece a adotar políticas para diminuir a emissão dos poluentes. Segundo Carlos Eduardo Komatsu, gerente do Departamento de Qualidade Ambiental da Cetesb, os níveis foram estabelecidos com esse objetivo. Mas não há um prazo para que os parâmetros sejam atingidos, o que, segundo ambientalistas, pode tornar ineficazes os novos padrões.
Pedágio urbano. O texto publicado fala em estudos voltados à "restrição da circulação de veículos automotores", o que pode, na prática, virar um embrião para programas como o pedágio urbano, por exemplo. No entanto, na avaliação do ambientalista Maurício Waldman, pós-doutorado em Geociências pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), essa prática - similar ao rodízio adotado na capital - é paliativa. "É preciso, na verdade, repensar a mobilidade urbana, a forma como as pessoas vivem e a dependência do carro", afirma.
O professor Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), concorda. "Os remédios que temos adotado até agora para lidar com a poluição atmosférica, como a inspeção veicular, ajudam a controlar o problema só perifericamente, têm um papel menor." Para o médico, "a questão central é repensar o uso e a ocupação das vias".
Segundo ele, a cada ano, 4 mil pessoas morrem na capital paulista por causa dos efeitos nocivos da poluição.

Empresas migram para o Paraguai


Grupos brasileiros cruzam a fronteira para pagar salários menores e menos imposto

27 de abril de 2013
Raquel Landim - O Estado de S. Paulo
As empresas brasileiras estão cruzando a fronteira rumo ao Paraguai em busca de mão de obra barata e menos impostos. Quase 30 companhias já fizeram esse caminho, instalando filiais no vizinho, estimulando seus fornecedores a investir ou terceirizando parte de sua produção para manufatureiros locais.

Segundo José Franco, gerente de projetos da Rede de Investimento e Exportação (Rediex), do ministério da Indústria e Comércio do Paraguai, os locais preferidos pelos brasileiros são os arredores da capital Assunção e, principalmente, a fronteira com o Paraná no "triângulo" formado por Hernandarias, Presidente Franco e Ciudad del Este
Os setores mais visados são autopeças, confecções, calçados e plásticos. Na maior parte dos casos, a estratégia é a mesma: os insumos são importados da China, a manufatura é feita no Paraguai e o produto é vendido no Brasil. Está se tornando mais comum marcas conhecidas como Buddemeyer, Penalty, Adidas e Fila serem vendidas por aqui com etiquetas "made in Paraguai".
A Volkswagen do Brasil está adquirindo autopeças da Fujikura desde o ano passado. A montadora compra chicotes elétricos (uma espécie de rede que interliga os vários sistemas dos carros) da empresa paraguaia. Segundo a assessoria de imprensa, "isso faz parte da estratégia de buscar fornecedores globalmente".
Também há companhias que se instalam no Paraguai para aproveitar vantagens competitivas locais. É o caso dos frigoríficos, que se beneficiam do grande rebanho bovino. Em setembro de 2012, o Minerva comprou o Frigomerc e mais que dobrou sua capacidade de abate no país. "Nos últimos dois anos, a operação no Paraguai é uma das maiores geradoras de caixa para a empresa", diz Edison Ticle, diretor financeiro.
Atrativos. A possibilidade de reduzir custos é o principal atrativo do Paraguai em um momento em que a indústria fraqueja no Brasil, por causa da queda da produtividade e da escassez de mão de obra. Entre as desvantagens paraguaias, estão o preconceito que ainda persiste contra os produtos feitos no país, a recente valorização da moeda local, o guarani, e a logística complicada por conta da falta de acesso marítimo.
Mas, para os empresários, ainda compensa cruzar a fronteira para aproveitar as vantagens do Paraguai. O custo da energia elétrica, por exemplo, é 63% inferior no Paraguai, mesmo após a redução de tarifa promovida pela presidente Dilma Rousseff. O Paraguai é sócio do Brasil em Itaipu e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está financiando a construção de uma linha de transmissão para levar a energia da usina até Assunção e acabar com os constantes apagões.
"O Paraguai tem uma das mais baixas cargas tributárias do mundo e uma legislação trabalhista flexível. É o contrário do Brasil", diz Wagner Weber, diretor do Centro Empresarial Brasil Paraguai (Braspar). No Paraguai, o imposto de renda (IR) e o imposto sobre valor agregado (IVA) estão em 10%. No Brasil, as empresas pagam 25% de IR e três impostos no lugar do IVA (PIS, Cofins e ICMS), que somam 27%.
A legislação trabalhista paraguaia é outro ímã para as empresas. No Paraguai, o trabalhador só tem 12 dias de férias até completar cinco anos na empresa, a jornada é de 48 horas, não existe FGTS, contribuição sindical ou sistema S. Os tributos sociais significam um acréscimo de 16,5% na folha de pagamento, enquanto no Brasil um funcionário custa o dobro do seu salário para a empresa por causa dos impostos.
Investidor. O Brasil é hoje o segundo maior investidor estrangeiro no Paraguai atrás dos Estados Unidos, segundo o Banco Central paraguaio. Em 2012, o País já tinha aplicado US$ 511 milhões no vizinho, alta de 50% em relação a 2011 e um volume expressivo para o sócio mais pobre do Mercosul. O maior investimento brasileiro no Paraguai é a fábrica de cimento da Camargo Corrêa, que custou US$ 160 milhões e deve começar a produzir no ano que vem.
No ano passado, as importações brasileiras vindas no Paraguai chegaram a US$ 987 milhões, alta de 38%. O desempenho impressiona num ano em que a economia brasileira ficou estagnada e as compras externas totais do País caíram 1,4%. As importações de carnes saltaram de US$ 20 milhões em 2009 para US$ 103 milhões em 2012. No setor de plásticos, o avanço foi de US$ 39,4 milhões para US$ 50,6 milhões.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Boston, Tchetchênia e um lugar chamado ideologia

POR DIOGO BERCITO
21/04/13




Editoria de Arte/Folhapress
Eu estava na casa de um colega jornalista, em Jerusalém, quando a televisão noticiou o atentado a bomba em Boston. Nos reunimos ao redor da tela enquanto levantávamos nossas próprias teorias a respeito do ataque. Até então, não se sabia quase nada sobre o incidente. Queríamos entender, em especial: por quê?
Saímos para jantar. Nas ruas, jovens israelenses celebravam o dia da independência do país. Mas nós estávamos vidrados em nossos smartphones. Como os demais jornalistas por aqui, passamos os dias seguintes deslizando o dedão na tela para atualizar o feed de notícias do Twitter.
Por enquanto, dois irmãos de origem tchetchena são suspeitos pelo ataque que matou três e deixou mais de 170 feridos em uma maratona nos EUA. Na tentativa de capturá-los, um dos rapazes morreu e o outro está ferido. Mas, por mais que as investigações tenham avançado, a pergunta que nós nos fizemos diante da TV continua valendo: por quê?
É muito cedo para teorias. Mas as autoridades de contraterrorismo agora olham para a região do Cáucaso e tentam estabelecer qual é a relação, se houver alguma, entre a origem dos irmãos e a decisão de detonar bombas em Boston.
Não para dizer que o lugar de origem justifica ou condiciona um ataque –mas para tentar entender, ao menos, a que ideologia os terroristas estiveram expostos antes de imigrar para os Estados Unidos.
Ao que parece, um dos irmãos esteve recentemente nas regiões do Daguestão e da Tchetchênia, e é esse fio que a investigação irá seguir nos próximos dias. Em ambos os lugares há hoje um violento movimento separatista que levou a guerras e a um histórico de terrorismo, a partir dos anos 1990.
Daguestão, Tchetchênia, Cáucaso e Rússia são nomes de que vamos ouvir falar, nos próximos dias. Mas também haverá quem mencione o nome de um outro lugar, imaterial: o wahabismo.
Essa vertente radical do islã, surgida na península Arábica, é uma das bases da construção do reino da Arábia Saudita. É um dos pilares da interpretação rígida da sharia, a lei islâmica, razão pela qual mulheres são impedidas de dirigir ou sair do país sem a autorização de um “guardião” masculino.
O wahabimo leva o nome de seu criador, Muhammad ibn abd al Wahab, um teólogo do século 18 que contestava as inovações do islã como sendo deturpações religiosas. Esse movimento salafista ganhou força na península com a aliança entre Abd al Wahab e Muhammad ibn Saud –da família que mais tarde construiria a Arábia Saudita (daí o nome). Até hoje, o reino saudita investe milhões de dólares na propagação dessa ideologia.
O wahabismo, como expoente fundamentalista, mira em um passado distante como maneira de solucionar as crises contemporâneas. Dessa maneira, olha para os primórdios do islamismo e salta, assim, os séculos de discussões teológicas. O que significa, entre outras coisas, que o muçulmano wahabi não necessariamente adere à tradição do “fiqh”, a jurisprudência islâmica.
Insisto que tudo, por enquanto, são suposições. É bom deixar claro, também, que wahabismo não significa terrorismo, e de maneira alguma este blog faz qualquer julgamento teológico ou ideológico sobre o islã.
De qualquer modo, a quem estiver interessado, as ideologias islâmicas são fontes ricas para o debate e para o melhor entendimento da região. Nunca será demais estudá-las a fundo. E o contexto histórico, ao que parece, está nos sugerindo que estejamos atentos ao wahabismo ao menos pelos próximos dias.
Procurando mais informações, me deparei com uma conta falsa no Twitter, em que o usuário escreve sarcasticamente sobre fundamentalismo islâmico. Abaixo, um tuíte.

domingo, 14 de abril de 2013

O rebelde desbocado


Presidente uruguaio desperta simpatia dentro e fora do país ao se pôr acima do bem e do mal, manusear a excentricidade e cultivar a marginalidade sem ligar para incongruências ou contradições

14 de abril de 2013

Danubio Torres Fierro - O Estado de S.Paulo
Durante parte do século 20 o Uruguai desfrutou de uma imagem positiva que somente foi manchada nos tempos da ditadura e ressurgiu, um tanto desgastada, com o retorno da democracia depois de uma transição levada a cabo com perseverança e sem alarde. Foi a fase da reconquista e da volta paciente à normalidade; um período que, além de dar lugar a algumas alternâncias políticas no poder, acabou se tornando uma fase de reconstrução, e que foi cancelada com o triunfo da Frente Ampla em 2003.
Preso político torturado pela ditadura, Mujica aderiu à legalidade democrática e trabalhou por ela - Andres Staff/Reuters
Andres Staff/Reuters
Preso político torturado pela ditadura, Mujica aderiu à legalidade democrática e trabalhou por ela
Agora, no início do século 21, essa imagem parece recuperar seu antigo brilho, estimulada - é o que se assegura implícita ou explicitamente - pela figura do presidente José Mujica. Tanto a imagem do século passado como a deste século se beneficiaram com um transcurso histórico disciplinado, sem grandes sobressaltos, e uma tradição política e um desenvolvimento social que tornaram o país um remanso em meio às turbulências regionais, um exemplo do exercício do Estado do bem-estar social e um caso excepcional no que diz respeito a uma legislação social generosa e avançada. A simpatia para com o país manifestada por seus vizinhos imediatos, uma simpatia clara e sem dúvida afetuosa, certamente tem por base também o fato de que o Uruguai é um território pequeno, com escassa população (3,4 milhões de habitantes), sem contrastes sociais violentos, com uma capital amável (Montevidéu) e praias cuja longa extensão culmina num balneário (Punta del Este) famoso.
No caso uruguaio, trata-se de um destino feito realidade. De fato, depois de ser uma área de transição entre duas colonizações (a espanhola e a portuguesa), surge, e se afirma, como um Estado-tampão cuja tarefa principal é apaziguar e esfriar as discórdias em uma vizinhança com frequência ruidosa. Grã-Bretanha, Brasil e Argentina, cada um a sua maneira, mas os três em conjunto e em uníssono, tinham muitas razões para promover o nascimento desse Estado singular: para assegurar e manter seu equilíbrio interno, a região precisava desse enclave estratégico e tranquilizador. E o Uruguai, nesse quadro geopolítico, cumpriu cabalmente seu papel: criou uma sociedade institucional responsável, na qual o sentimento de pertencimento é quase uma forma de parentesco e em que se vive numa espécie de estado de alerta emotivo e moral, com uma consciência crítica da enorme dependência externa. Uma sociedade em que a política é uma religião pública que diariamente, incansavelmente, ousa dizer seu nome. Todos opinam, todos são sábios e todos têm razão nesse reino laico, vastamente tentacular. Todos, e tudo, têm uma noção política arraigada que não cede espaço a nada que não seja ela mesma. E tem mais. Ao se transformar, no início da sua evolução, numa democracia com características modernas, que aboliu de uma vez por todas o que restou da democracia primitiva, o Uruguai criou, num sentido estrito e amplo, uma sociedade aberta, plural, tolerante e razoavelmente educada. Assim, nessa atmosfera de ideias e sentimentos, não foi surpresa, nem motivo de escândalo, o fato de em 2004 a coalizão Frente Ampla chegar ao poder. Ela já havia tido sob seu comando a prefeitura de Montevidéu, e 20 anos após a transição membros das esquerdas que formaram esse partido já integravam a equipe que dirigia o país. Nesse contexto, o rompimento do bipartidarismo tradicional foi a crônica de uma crise anunciada: a fadiga e o desgaste daquelas facções eram patentes.
Nada se manifesta em excesso no Uruguai e tampouco nada, ao realizar-se, satisfaz. A moderação (que é um outro nome do arielismo de José Enrique Rodó), para o bem e para o mal, é a norma. No início de 2010, José Mujica sucedeu a Tabaré Vásquez na presidência. Se, em 2003, a eleição de Vázquez implicou a descoberta de uma figura capaz de assegurar um equilíbrio entre as diferentes correntes políticas que integram a coalizão da Frente Ampla e os setores sociais distintos que a apoiam, aglutinando todos sob seu governo e colocando-os num centro equidistante dos extremos, em 2009 a eleição de Mujica parece ter se baseado num princípio de síntese similar - mas muito mais voltado (pelo menos nos discursos e nas promessas de campanha) para o que se costuma denominar uma esquerda pura e dura. Ex-guerrilheiro tupamaro (o que para alguns jovens sem lembranças dos anos de chumbo pode oferecer uma dose considerável de brilho épico), ex-presidiário, torturado pela ditadura militar, ex-ministro da Agricultura com uma atuação sem destaque no governo Vázquez, José Mujica e sua agremiação política, para aquela eleição histórica de 2003, haviam se afastado de seu passado e se convertido ao pragmatismo do real - e algo cada vez mais decisivo: haviam aderido à legalidade democrática e trabalhado por ela. Filhos perplexos do ciclo das ideologias agressivas estimuladas pelo período da Guerra Fria, de um lado, e da globalização mundial, de outro, eles eram também - e ainda são - filhos desertores, sem dúvida extraviados, de uma esquerda que desde o colapso soviético está abandonada por seus santos padroeiros e suas catequeses dogmáticas, fossem essas ortodoxas ou heréticas. Seu único deus protetor era - e ainda é - um ícone chamado Fidel Castro. Vale acrescentar neste ponto que, em tal itinerário bizarro, esses desgastados filhos da revolução nunca fizeram publicamente um mea-culpa e muito menos rezaram um ato de contrição. Disposto assim o cenário para 2003, a pergunta que se fazia era: devia-se temer o político José Mujica como se temia o homem Mujica (e o personagem que ele incorporava)? Não devemos esquecer que, nesse contexto, ele representa o caso típico de uma transferência do prestígio das ideologias para o prestígio de um caudilhismo com cores populistas.
Há algo chamativo no personagem que José Mujica criou para si e desperta simpatia tanto dentro como fora do Uruguai, em particular entre os vizinhos do Cone Sul. Mujica decidiu ser um personagem que tem as raízes históricas nas imediações geográficas, que manuseia a excentricidade, age como rebelde, cultiva a marginalidade e gosta de ser desbocado sem prestar muita atenção às incongruências ou às contradições. Um personagem que reúne, ou gostaria de reunir, os traços nobres do herói e do rebelde que caracterizam aquele José Artigas, contrabandista nas outrora confusas fronteiras entre Uruguai e Brasil, militar famoso que defendeu o que na sua época era uma causa verdadeiramente democrática, procurou instaurar um sistema federal de governo e alcançou, apesar da derrota final, o status de "fundador da orientalidade".
Aqui precisamos avançar um pouco mais. A capacidade de ressonância do personagem cultivado por Mujica se alimenta, de modo marcante, de uma dimensão mítica e ao mesmo tempo mistificadora. Como sabemos, no inconsciente coletivo da América do Sul existe a atração por personagens que se apresentam como figuras com existência fora das normas e repudiam, ou quase, a autoridade. Personagens como o clássico gaúcho Martín Fierro, que declara desobediência a qualquer tipo de legalidade; como Facundo Quiroga, de Faustino Sarmiento, que encontra seu destino trágico na resistência persistente de homem que matou; personagens, enfim, como Antônio Conselheiro, de Os Sertões, que mobiliza os sertanejos, muitos deles cangaceiros, em favor de uma força retrógrada que põe em ridículo a república. Civilização de um lado, barbárie de outro: eis a fórmula consagrada que resume, em nossas terras onde a história está mais viva pelo fato de ser mais recente, essas questões.
Nessa esquina da história (da história que se repete e, ao fazê-lo, passa da tragédia para a comédia) situa-se o presidente Mujica. Ele tem a seu favor um fato que vem se juntar às simpatias que corteja e das quais se beneficia. Trata-se de um senhor de idade avançada que deliberadamente se coloca acima do bem e do mal, que se permite todas as transgressões - e, zênite do sublime, encarna uma versão uruguaia (a clássica viagem da tragédia à comédia, outra vez) de um Rei Lear que gostaria de achar a verdade verdadeira num mundo carregado de significados inextricáveis, um Lear que troveja contra os escândalos do mundo e se empenha em ser fiel a sua voz mais íntima, perdido na ruidosa imensidão cósmica. Como não se comover com personagem tão patético? / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
DANUBIO TORRES FIERRO É ESCRITOR, CRÍTICO LITERÁRIO URUGUAIO. DIRETOR DA EDITORA , FONDO DE CULTURA ECONÓMICA NO BRASIL

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-rebelde-desbocado,1020710,0.htm


sábado, 13 de abril de 2013

Barrados na escola


Tory Oliveira  -  Entrevista

entrevista_aparecida
Obras literárias chegam às instituições públicas de ensino, mas sem uma política de informar os professores e formar mediadores de leitura os livros não saem da caixa, diz a pesquisadora Aparecida Paiva. Foto: Washington Alves

O Brasil é um dos países que mais investem na compra e na distribuição de livros para as escolas. Só em 2013, o governo federal entregou 6,7 milhões de obras literárias, um investimento de 66 milhões de reais. No entanto, a política de distribuição de livros, protagonizada principalmente pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), não se traduziu na apropriação do livro, tampouco na formação de leitores. Na maioria das vezes, as obras literárias não saem das caixas.
Foi o que constatou a pesquisadora Aparecida Paiva, organizadora e uma das autoras do livroLiteratura Fora da Caixa – O PNBE na escola, publicado pela Editora Unesp. Segundo a professora de pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais, a formação incipiente de mediadores de leitura e a falta de entendimento do livro como um bem cultural ajudam a explicar por que as obras literárias não chegam aos estudantes.
“Muitos professores nem sabem que os livros chegam à escola”, afirma Aparecida, que conversou com Carta Fundamental sobre o PNBE, sua inserção nas instituições e a importância da literatura como uma possibilidade de educação cultural que não pode ser puramente escolarizada.
Carta Fundamental: O que falta para que uma política de distribuição de livros, como a do PNBE, seja bem-sucedida?
Aparecida Paiva: Se nós circunscrevermos a conversa ao PNBE, é muito louvável a política que gasta milhões de reais por ano para atender as bibliotecas. O problema é que essa política universal de distribuição de livros não vem acompanhada de uma formação de mediadores de leitura. Antigamente, questionava-se que os alunos de escolas públicas não tinham acesso aos livros. Hoje os livros chegam às bibliotecas, mas permanecem dentro das caixas. O País precisaria investir em formação de mediadores de leitura, mas antes é necessário informar que os livros estão chegando. Muitos professores relatam que nunca souberam que esses livros chegavam às escolas. Se eles não sabem o paradeiro dos livros, como é que vamos pensar numa política de formação de leitores? Além da falta de informação, falta a formação do professor enquanto mediador. Se ele não é leitor, não terá a competência instalada de mediador de leitura. Também falta uma consciência de que a literatura transcende o processo de escolarização. Há um grande equívoco: consolida-se a distribuição dos livros sem o acompanhamento de uma política de formação de leitores.
CF: De forma geral, as bibliotecas escolares brasileiras possuem um bom acervo?
AP:  Os acervos são bons.  Grosso modo, as escolas públicas são abastecidas com essa grande política. O esperado é que pelo menos esses livros componham os acervos, além de algumas políticas municipais que também produzem seus kits e das compras autônomas de gestores. O paradoxo é que você gasta milhões, mas é muito pouco diante do conjunto de alunos e da dimensão do País. São poucos livros por acervo, nunca passa de cem por escola. Se um professor quiser fazer um trabalho com determinada obra, ele tem um ou dois exemplares no máximo para desenvolver isso com suas turmas. É pouco, mas quando se pensa no conjunto de livros, a quantidade distribuída é muito grande. Fica difícil.
CF: Que ações poderiam ser tomadas para que os livros não fiquem dentro das caixas?
AP: Primeiro, o MEC precisa fazer correspondências que não sejam apenas uma carta dentro das caixas. Precisava haver uma política de divulgação da chegada dos livros de literatura nas escolas. Além isso, o diretor tem de se comprometer com a divulgação: acionar o coordenador, o professor, o bibliotecário, o auxiliar da biblioteca, e divulgar. O MEC tem uma distribuição de materiais generosa e, às vezes, os gestores ficam atordoados com o volume dos materiais. Sem o devido esclarecimento da política, você não pode responsabilizar o gestor e deixar a iniciativa correr por conta de um profissional mais esclarecido. Todos na escola precisam divulgar e se apropriar do livro. Não adianta imaginar que o único endereçamento do livro seja para o professor de Português e para o responsável pela biblioteca. Boa vontade dos profissionais que estão na escola existe, mas entre sair do discurso de que o livro é importante para uma prática concreta de formação de leitores há um caminho muito longo.
CF: Quais as características esperadas de um bom mediador de leitura na escola?
AP: Ele tem de ser um leitor, gostar de literatura, não interessa o gênero. Ele precisa estar disposto a viver o inusitado, precisa ter disponibilidade e competência para articular esse texto literário com o cotidiano e com o con-
teúdo que ele ministra. O problema é que essa característica do mediador fica muito no âmbito do escolar, enquanto se deveria pensar no leitor perene, para fora dos muros da escola. O mediador precisa entender que a literatura é uma possibilidade de educação cultural, da educação da sensibilidade do ser humano, que não pode ser puramente escolarizada. Ele tem de investir sem pensar num resultado imediato.
CF: Assim como acontece com as leituras para o vestibular?
AP: Exatamente. Já entrevistei muitos professores que dizem que quando eram adolescentes liam muito, mas depois que passaram no vestibular só leem livros técnicos da sua área. Esse é o leitor que parou nas obrigações escolares, que não faz uso social da literatura, não se apropria dela como um lazer. Na verdade, evito citar características de um bom mediador de leitura, não tem como traçar um perfil. Houve uma pesquisa na UFMG para distinguir qual era o melhor alfabetizador, cruzaram-se vários dados: formação, idade, tempo de serviço, experiência em salas de alfabetização, remuneração. A única coisa comum a todos os bons alfabetizadores era gostar de alfabetizar, era ter prazer em acompanhar o desenvolvimento da criança em contato com a escrita. A pessoa tem de gostar de literatura, mas também se convencer de que aquilo é um bem a ser transmitido, do contrário aquilo permanece no foro íntimo, como uma atitude ­pessoal. Na verdade, precisamos reconhecer que a literatura amplia horizontes, desenvolve a capacidade leitora. Apropriações escolares ajudam, mas queremos muito mais.
CF: A última pesquisa Retratos da Leitura aponta o professor como principal influenciador da leitura.
AP: Essa foi a nossa grande alegria. Porque o núcleo familiar sempre predominou como os maiores incentivadores da leitura e esse deslocamento para o professor pode ser lido de uma forma muito positiva. É muito bom trabalhar esse dado com os professores, falar que eles podem fazer diferença. Porém, nós que investigamos o campo de pesquisa precisamos pensar em outras coisas. As crianças de escola pública só têm acesso aos livros na escola. É a escola que faz a mediação, porque as famílias estão subnutridas de leitura. O resultado do professor como mediador é incontestável, já avançamos muito. Mas sempre é o professor, aquele que faz a diferença na vida do aluno. Precisava ser uma coisa mais consistente, uma ação educacional mais colegiada na escola, no sentido de eleger a formação de leitores não pelo viés da avaliação de proficiência em leitura, mas porque queremos formar cidadãos conscientes, que leem e que podem fazer descobertas incríveis por meio do ­texto ­literário, que é capaz de romper com grilhões de formatação de educação.
CF: Quem são os profissionais que trabalham nas bibliotecas escolares?
AP: Na escola pública, são muito poucos, sem carreira. O curso de Biblioteconomia sofreu reformulações grandes e muitos não querem ser bibliotecários escolares, querem perseguir outras carreiras. Começa por aí, não tem um bibliotecário por escola, muitas vezes um bibliotecário atende dez escolas do seu polo. O auxiliar de biblioteca ou o responsável, em grande parte é o professor em desvio de função, que não tem condições de estar em sala de aula, ou é aquele profissional de nível médio, de qualquer área, que faz concurso para trabalhar nas bibliotecas escolares.
CF: Eles são valorizados dentro da instituição de ensino?
AP: Ele é pouco valorizado porque não se ­investe no papel de fomentador cultural e de formador de leitor. Ele é o guardião de livros: cuida, cataloga e abre ocasionalmente a biblioteca para os alunos acessarem. Às vezes ele até fecha a biblioteca na hora do recreio, no único horário que os alunos podem acessar. E não recebe formação específica nenhuma para trabalhar como formador de leitores. As condições são muito precárias: eles trabalham sozinhos, dobram turno, a biblioteca fica fechada, os armários ficam trancados porque os livros não podem sumir. A realidade das bibliotecas escolares brasileiras é muito dramática. Pode ser uma visão pessimista, mas não vejo ainda o trabalho do bibliotecário como um educador, como um profissional integrado na escola, salvo exceções.
CF: Além de não fazer esse trabalho de formação de leitores, o responsável pode até dificultar o acesso aos livros?
AP: Já presenciei professores que não têm a menor condição de receber os alunos na biblioteca, um espaço que é tudo e nada ao mesmo tempo: lá se guardam livros, mas é também lugar de castigo por indisciplina, é onde se guardam os recursos audiovisuais, é sala de reunião para os professores. Como um espaço que é tudo e nada pode ser identificado como um espaço de leitura? A luta pela biblioteca de verdade ainda é muito grande.
CF: Como o bibliotecário pode atrair as crianças para a biblioteca da escola? Um acervo com obras mais próximas da juventude pode ser um caminho?
AP: Qualquer livro é uma isca. Muitas vezes a comunidade de leitores que se forma fora da escola é mais poderosa do que a de dentro. Como os meninos não querem ficar excluídos dos assuntos da turma, eles fazem fila para pegar o livro da vez. Se o profissional estiver atento a isso, pode sugerir outros títulos, tem de mostrar mais, tem de atrair. Levar os meninos para a biblioteca pode ser um segundo passo, antes, ele deveria ir para a sala de aula fazer propaganda da biblioteca. Tudo esbarra no projeto político pedagógico da escola. Jeito tem, basta querer.

Acordo entre EUA e China prevê o fim do poder nuclear da Coreia do Norte


Agência France Press


Os chefes da diplomacia americana e chinesa se comprometeram neste sábado 13 a trabalhar conjuntamente pela desnuclearização da península coreana, durante visita do secretário de Estado americano John Kerry a Pequim
Kerry (E) com o premiê Li Keqiang (D). Foto: afp.com / Jason Lee Kerry (E) com o premiê Li Keqiang (D). Foto: afp.com / Jason Lee
“Tratar adequadamente o problema nuclear coreano serve ao interesse comum de todas as partes”, afirmou o conselheiro de Estado da China, Yang Jiechi, prometendo que Pequim trabalhará com todas as partes, incluindo os Estados Unidos.
“China e Estados Unidos devem tomar medidas para alcançar o objetivos de desnuclearização na península coreana”, afirmou, por sua parte, John Kerry.
Nem Yang nem Kerry deram detalhes sobre medidas concretas, mas o chanceler americano disse que outras discussões serão mantidas para saber como cumprir com este objetivo.
Kerry chegou neste sábado a Pequim para tentar convencer as autoridades chinesas a erguer o tom contra a Coreia do Norte e defender uma aproximação entre Seul e Pyongyang.
Depois de uma escala em Seul, onde reafirmou o apoio de Washington à Coreia do Seul, Kerry viajou para a capital chinesa, onde também se reuniu com o chefe da diplomacia Wang Yi e com o presidente Xi Jinping.
“Obviamente, devemos fazer frente a enormes desafios, e estou desejoso de ter esta conversa”, afirmou Kerry seu colega chinês.
Ao ser recebido pelo presidente Xi no Grande Salão do Povo de Pequim, o secretário de Estado americano afirmou que a situação na Península Coreana atravessa atualmente “um momento crítico”.
“Senhor presidente, trata-se claramente de um momento crítico com algumas questões que constituem grandes desafios”, afirmou Kerry. “Questões relativas à Península Coreana, ao desafio do Irã e das armas nucleares, Síria e Oriente Médio, e as economias no mundo que precisam ser reativadas”, acrescentou.
A China é o único aliado importante da Coreia do Norte e seu fornecedor-chave de ajuda e comércio. As autoridades chinesas são as únicas que têm influência sobre o governo de Kim Jong-Un, que ameaçou em várias oportunidades com uma guerra nuclear.
No entanto, Xi não se referiu à Península Coreana em suas primeiras declarações durante a reunião, limitando-se a dizer que a relação entre os Estados Unidos e a China “se encontram numa nova etapa histórica e teve um bom começo”.
Na véspera, Kerry expressou o pleno apoio dos Estados Unidos ao seu aliado sul-coreano e classificou de inaceitável a retórica belicista da Coreia do Norte.
“Se Kim Jong-Un decidir lançar um míssil, seja sobre o mar do Japão ou em qualquer outra direção, estará escolhendo obstinadamente ignorar toda a comunidade internacional”, disse Kerry aos jornalistas em Seul.
“Seria um grande erro de sua parte, já que isolaria ainda mais o país”, disse Kerry.
“Os líderes norte-coreanos devem se preparar para viver segundo as obrigações e os critérios internacionais que eles aceitaram”, declarou John Kerry. “A China tem um enorme potencial para fazer a diferença sobre este tema”, acrescentou.
Estados Unidos e Coreia do Sul, assim como o Japão, foram diretamente ameaçados na véspera por Pyongyang com um ataque nuclear, e tentam dissuadir o Norte a realizar um teste com um ou vários mísseis de curto e médio alcance, que atiçariam ainda mais a tensão na península coreana.
Em um ano, Pyongyang disparou dois mísseis (um deles, em dezembro, foi bem sucedido), considerados pelas potências ocidentais como testes de mísseis balísticos encobertos, e procedeu a um teste nuclear (em 12 de fevereiro), o que lhe valeu novas sanções da ONU, motivo das novas ameaças norte-coreanas.
Ignorando as advertência de seu vizinho e aliado chinês, o Norte posicionou em seu litoral oriental dois mísseis Musudan, com um alcance teórico de 4.000 km, o que supõe um ataque a objetivos em território japonês, sul-coreano e inclusive na ilha de Guam, no Pacífico, onde os Estados Unidos têm bases navais e aéreas.
O possível disparo de um míssil poderá acontecer em torno do dia 15 de abril, dia do aniversário do nascimento do fundador da dinastia comunista, Kim Il-Sung, segundo os especialistas.
Para apaziguar a situação, os Estados Unidos cancelaram na semana passada o disparo teste de um míssil balístico intercontinental da Califórnia (oeste), o Minuteman 3. Com o mesmo espírito, Kerry desistiu de visitar na Coreia do Sul a localidade fronteiriça de Panmunjom, onde foi assinado o armistício que pôs fim à Guerra da Coreia (1950-1953).
Depois da China, Kerry viajará ao Japão, ameaçado na véspera pelo regime norte-coreano com “chamas nucleares” depois que Tóquio ordenou o posicionamento de baterias antimísseis e determinou a derrubada de qualquer míssil norte-coreano que ameaçar o território japonês.
 
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quarta-feira, 10 de abril de 2013

Tensão na Coreia

                                                                               Kim Jae-Hwan - 10.abr.13/AFP

Guardas sul-coreanos durante ato no Museu da Guerra, em Seul

A ideia de que a Coreia do Norte conta com qualquer autonomia em suas relações externas e, como um filho pródigo, estaria indo além do que a China deseja é bem mais que ridícula. As reprimendas e reprovações chinesa são mais graves que isso: representam uma farsa insultuosa. A Coreia do Norte é o cão de ataque da China. A coleira são as armas, combustível e comida que atravessam a fronteira. A China detém controle absoluto sobre o Norte desde o dia em que suas tropas viraram a maré da guerra da Coreia ao lançar ataques de infantaria contra as forças da ONU, em novembro de 1950.
A China tem a capacidade de colocar quem quer que deseje no poder em Pyongyang. O feroz cão de ataque norte-coreano tem presas aguçadas: um Exército com mais de 1 milhão de combatentes. Pode latir, mostrar os dentes e até mordiscar os calcanhares do dono, mas ambos sabem quem manda.
A Coreia do Norte não pode nem mesmo ser entendida como um regime cliente de Pequim; ela é mais parecida com uma região autônoma especial na qual armas nucleares e campos de concentração substituem os arranha-céus e o Estado de Direito.
O problema não está na liderança do Norte --que é em última análise racional, e prioriza a autopreservação e expansão de seus poderes--, mas em seus asseclas das Forças Armadas, hoje mais que nunca divididos em facções.
"Lavagem cerebral" é um termo que data da guerra da Coreia. A população do Norte não é apenas dócil: está paralisada de terror.
A tripulação de um submarino norte-coreano que encalhou em águas do sul em 1996 executou 11 de seus membros por incompetência antes de tentar fugir em direção da zona desmilitarizada. Apenas dois dos tripulantes sobreviveram. É perfeitamente possível para uma pessoa lobotomizada pelo culto à personalidade do líder apertar um botão que de outra forma jamais apertaria.
A Coreia do Norte naturalmente tem alguma agenda independente da agenda chinesa. Forçar uma situação como a atual consolida o domínio do jovem líder Kim Jong-un sobre o Exército.
Como um sapo que incha, sua atitude o faz parecer maior no cenário mundial. O desejo de receber um telefonema pessoal de Barack Obama seria pueril se as consequências não fossem tão letais. Além disso, Kim acredita que, como no passado, fazer pirraça resultará em um relaxamento das sanções e pode trazer uma retomada da assistência.
A maioria dos sul-coreanos continua relativamente despreocupada. No Japão é diferente: o público está genuinamente ansioso. O país já sofreu três desastres militares --dois em guerra e um terceiro em tempo de paz. Os japoneses não combateram na guerra da Coreia, mas civis japoneses foram sequestrados em suas ruas e casas por norte-coreanos e passaram décadas aprisionados na Coreia do Norte. Para o Japão, Kim é uma ameaça real.
Mas ele precisa tomar cuidado para não se queimar. Perceber o Japão como uma vítima fácil, em termos diplomáticos e militares, seria um erro catastrófico. As forças de autodefesa do Japão, e especialmente sua marinha e guarda-costeira --cujos marujos, trajando uniformes contra o fogo, não hesitaram em afundar a tiros de canhão uma embarcação espiã norte-coreana, em 2001--, representam um obstáculo formidável.
O Japão acumulou plutônio suficiente para produzir um número de bombas nucleares semelhante ao detido pela China. O público japonês genuinamente abomina as armas nucleares, e a constituição do país proíbe sua presença em território nipônico. Mesmo assim, caso o Japão já não disponha de um arsenal de bombas de hidrogênio, poderia criá-lo rapidamente.
Excluída a possibilidade de um desastre --que sempre pode acontecer quando crianças brincam com fogos de artifício--, uma guerra real está fora de questão.
O que temos agora, basicamente, é uma barganha feroz em um mercado asiático de produtos eletrônicos piratas. O Japão quer a maior fatia possível das ilhas Diaoyu; o Japão quer ceder o mínimo possível. No fim, o Japão estará disposto a servir como segundo violino diante da China, como fez com relação aos EUA por meio século; e os norte-americanos serão acomodados por meio de acordos de serviço lucrativos para empresas como a Haliburton.
Quanto aos depósitos de petróleo no Mar do Sul da China, os EUA têm um péssimo histórico no que tange à lealdade para com aliados derrotados. Filipinas, Taiwan e Malásia certamente seriam abandonadas caso a China ocupe um campo pela força bruta.
O chamado "pivô para o Pacífico" não tem como funcionar: a disputa acontece no quintal da China. A implicação é que quanto mais o Ocidente se provar moderado e conciliador sobre a disputa de títeres e ensaio de guerra em curso no Extremo Oriente, tanto mais poderá justificar medidas extremas contra o Irã. E é isso que deveria nos preocupar.
Nota: O mais recente romance de Timothy Mo é "Pure"
Tradução de PAULO MIGLIACCI