segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Quem está fazendo mais pelos refugiados sírios?

POR DIOGO BERCITO
07/09/15


As histórias que chegam da Europa são assustadoras. Leandro Colon, enviado pela Folha para cobrir a crise de refugiados no continente, tem feito excelentes relatos sobre essa multidão em fuga de países como a Síria –onde mais de 200 mil foram mortos durante a guerra civil em curso desde março de 2011.
Mas aqueles que começaram a se interessar pelo tema nestas semanas, em especial após a publicação da foto de um menino morto em uma praia turca, podem ter a sensação de que a onda de refugiados afeta principalmente, e de maneira mais séria, a Europa. Não é bem assim.

Segundo a Anistia Internacional, 95% dos 4 milhões de sírios que deixaram o país estão em apenas cinco países: Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e Egito. Quase 2 milhões deles estão na Turquia, e 1,2 milhão já refugiou-se no Líbano.
O impacto desse fluxo, no Oriente Médio, é bastante grave. O Iraque vive também sua crise, com 3 milhões de seus próprios cidadãos deslocados internamente. O Líbano, por sua vez, enfrenta milícias terroristas em suas fronteiras, e aproximadamente uma a cada quatro pessoas no país são refugiados vindos da Síria.
Tampouco a crise dos refugiados é recente. Estive em 2013 com o fotógrafo Joel Silva no campo de refugiados de Zaatari, na Jordânia –o segundo maior do mundo, com 85 mil sírios vivendo em tendas no meio do deserto
Há, por outro lado, os países do Oriente Médio que pouco têm feito em relação aos refugiados sírios. Como relata o jornal americano “Washington Post”, países do Golfo –como a Arábia Saudita– têm feito “quase nada” por essas pessoas. O “New York Times” também discute a questão.
Kenneth Roth, diretor do Humans Right Watch, tuitou recentemente: “Adivinhe quantos desses refugiados sírios a Arábia Saudita e outros Estados do Golfo se ofereceram para receber? Zero”.
A falta de auxílio vinda desses países, conhecidos pela abundância de recursos e pelo alto padrão de vida, é ainda mais impressionante dado o fato de que seus governantes estão envolvidos na crise regional, alguns deles com apoio direto a facções na Síria.

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O Brasil não pode ser neutro

07/09/2015      clóvis rossi (É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às segundas, quintas,e aos domingos.)

Faz muito bem o Itamaraty em tentar restabelecer o diálogo entre Colômbia e Venezuela, para superar a crise na fronteira entre os dois países.
Mas há três reparos importantes a fazer. A saber:
1 - Foi imperdoável a atitude do governo brasileiro de se abster na votação da proposta colombiana de convocação de uma reunião de chanceleres da Organização de Estados Americanos, destinada a tratar da crise.
Não se propunha condenar um ou ambos os países ou de enviar tropas para a fronteira. Pretendia-se apenas fazer o que os diplomatas são pagos para fazer: reunir-se para tentar apagar incêndios.
A alegação do Itamaraty para se abster já estava com a data vencida. A posição oficial do Brasil é a de que a crise deveria ser tratada entre as duas partes apenas.
Tolice: já houvera uma reunião entre as chanceleres de Colômbia e Venezuela de que nada resultara.
2 - Daí decorre o segundo reparo: o Itamaraty demorou demais para se mexer. O chanceler Mauro Vieira só começou a atuar duas semanas depois do fechamento da fronteira e da consequente deportação de venezuelanos.
O estrago humanitário já estava feito: 1.355 colombianos foram deportados, e 15.174 abandonaram voluntariamente a Venezuela temendo a perseguição, de acordo com os mais recentes dados do Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários.
3 - O mais relevante reparo é o aparente tratamento igualitário que a missão dos chanceleres do Brasil e da Argentina está dando às duas partes.
Não há equivalência no episódio: quem fechou a fronteira foi o governo da Venezuela e quem deportou colombianos foi igualmente o governo Nicolás Maduro.
Pior: a motivação de Maduro é claramente eleitoreira, como constata recente editorial do "The New York Times":
"A coisa toda é uma crise manufaturada por um presidente crescentemente impopular que está desesperado para assegurar suporte para seu partido nas proximidades de eleições parlamentares marcadas para dezembro".
Que Maduro inventou um inimigo externo para uso na política interna fica evidente pelo "timing" da operação: a fronteira é problemática desde sempre, mas só na antevéspera do início da campanha eleitoral o problema é descoberto?
A violência é tão pronunciada que, nos últimos dez anos, 30 mil homicídios ocorreram na fronteira, território livre para contrabandistas, traficantes de drogas e guerrilheiros. É claro que não se espera que o Itamaraty diga a Maduro que sabe o que ele está fazendo. Não seria diplomático.
Mas seria imperdoável não dizer algo muito parecido com o pronunciamento de Gimena Sánchez, associada-sênior do Washington Office on Latin America, especialmente voltado para direitos humanos:
"Embora lidar com grupos criminosos seja um problema importante a ser enfrentado pelo Estado, este deslocamento maciço [de colombianos] é desumano e contrário à lei internacional."
Não se trata de intervenção em assuntos internos de outros países, mas de uma posição de princípios aos quais o Brasil não pode renunciar sob pena de ser cúmplice.
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/clovisrossi/2015/09/1678600-o-brasil-nao-pode-ser-neutro.shtml